Jornalismo literário: “Recordando o Beruri”

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A 23 horas de Manaus, 10 horas acima de Manacapuru, 3 horas subindo o rio Purus. Em lancha em marcha regular.  Esse é o percurso para se atingir um lugarejo de altas barrancas, duas dezenas de casas e quatro ruas.

Às vezes, em alguns mapas geográficos se encontra marcado, na margem direita do abundante rio Purus, cujo entrelaçamento e comunicação se faz com afluentes como o Rio Iaco e o Rio Acre ao desaguar no Brasil, na margem direita do Purus, na cidade de Boca do Acre. Cerca de mil habitantes moram na cidade, vivendo do plantio e colheita da castanha, da pesca artesanal e da indústria manual. O delegado e a professora são os símbolos do saber acadêmico naquela região.

O comércio de venda e revenda dos produtos alimentícios é um dos mais promissores. Alguns comerciantes prosperaram naquele local. Na década de 30 havia uma serraria de beneficiamento de madeiras e uma usina de extração de óleo de pau rosa fundada por Álvaro Fachina da Silva, Dalila Batalha sua esposa e Izaura Batalha sua sogra.

Existe uma possibilidade que seja encontrado petróleo no seu solo.   Uma equipe da Petrobras está trabalhando. O povo tem esperanças de que se encontre o ouro negro, movido das mesmas esperanças do povo de Nova Olinda, houve grandes expectativas noticiadas nos jornais da capital, porém, o ouro negro desapareceu misteriosamente. Beruri talvez tenha maior sorte. Talvez jorre petróleo do seu solo, talvez seja manchete nos jornais. Talvez os mandatários da nação criem coragem e resolvam de uma vez por todas as calamidades de Beruri, de Manaus, do Amazonas, do Brasil.

A terra onde nasci, onde dei os primeiros passos, onde estive nos primeiros nove anos de vida. Local de  natureza exuberante e agradável. Existem os problemas como em qualquer outra pequena cidade do mundo, mas, as pestes das plantações, os ladrões do colarinho branco, os estelionatários, a juventude transviada – inspirada no filme lançado em 1955, “Rebel without a cause”, com James Dean – com moto (ou lambreta), casaco de couro, comportamento rebelde, prisão etc., os costumes norte-americanos e nem tampouco se assiste filmes de faroeste. Beruri é livre de tudo isso.

Pequenino lugar encravado no barro vermelho do Purus.  Beruri está longe do barulho da cidade grande, das noites intermináveis, da very car society. Livre dos jipes atropeladores, esses monstros de rodas que matam, que atrofiam os pedestres. Livre da vaidade, da descompostura e do fingimento. É esquecida pelos forasteiros, mas sempre é lembrada pelos seus filhos.

Lugar abençoado, como é abençoado tudo aquilo que é sincero. Não parece diferente de muitos outros lugares espalhados por este imenso Amazonas, perdidos também em muitas barrancas vermelhas. Beruri lembra a cidade do dramaturgo grego Aristófanes, nascido em Atenas, considerado o maior representante da comédia antiga “escravo marcado com ferro em brasa”. Os seus filhos nunca te esqueceram, recordam os momentos vividos em seu chão. O campo de futebol, as peladas de todas as tardes. A  igreja com o enorme cruzeiro na frente. A velha Mãe Joana que ainda pega os meninos da redondeza. Os amigos Mário Andrade, Chico Miranda e outros. Beruri tem fama no coração dos seus filhos que a amam.

A Princesinha do Purus jamais sofreu com o desabastecimento de água, nem tampouco de energia elétrica. O imenso Rio Purus, caudaloso, manso nos dias calmos, terrível e furioso ao sopro do menor vento, qual manancial diluviano, mata a sede dos seus filhos e lava o corpo dos seus descendentes. O pequenino conjugado elétrico, impotente para qualquer outra função, ilumina suas ruas nas noites escuras, assegurando o caminhar seguro daqueles  que  percorrem suas ruas. Os berurienses jamais foram às boates com seus salões banhados a meia luz, desconhecem as rodas literárias e as crônicas sociais.

Os berurienses talvez não entendam o britanismo e o americanismo da chamada High Society. Talvez a própria High Society nunca entendeu tudo isso, apenas  repete os termos da língua  inglesa pela moda, pela vaidade, pelo alardeio de grandeza, pela ostentação fantasiosa, pelo atrofiamento dos sentimentos, pela pequenez do espírito.

Tu estás livre de tudo  isso
Minha querida Beruri,
Estás livre, limpa, sem mancha alguma,
Em reconhecimento a ti, digo assim:
Ó minha mimosa terra
Eu te tenho muito amor
Eu vivi feliz
Sem sentir amarga dor.

Amo teu povo hospitaleiro,
Lá destas terras benditas,
Amo o prado, o chão e o céu
De tuas belezas infinitas.

Ó minha mimosa terra
Eu te tenho muito amor,
Eu aí vivi feliz
Sem sentir nenhuma dor.

(Guilherme Aluízio de Oliveira Silva. Jornalista filiado à Fenaj com registro  profissional nº 136. Recordando o Beruri. Publicado originalmente no jornal A Gazeta, Manaus, 1955)

Edição de texto por Elcias Moreira, 2 de setembro de 2021

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